Fluids do not keep to any shape long and are constantly ready to change it; and so for them it is the flow of time that counts, more than the space they happen to occupy.
— “Liquid modernity” by Zygmunt Bauman
A Dinâmica do pensamento contemporâneo está na desconstrução das disciplinas estáticas que tinham a sua posição fixa no tempo e no espaço. O questionar do próprio ofício e a relevância deste no contexto atual leva tanto à busca do que é novo como do que já existe. A intenção de conhecer, interpretar e traduzir várias disciplinas criou a identidade híbrida do |entre|, onde a sobreposição de metodologias se funde e a indefinição da linguagem visual passa a ser uma nova narrativa.
Enquanto apropriação é uma exposição onde a arquitetura é observada por diferentes narrativas ao ser apropriada pela fotografia, ilustração, design, pintura, escultura, escrita e comércio local.
Os textos apresentados em baixo são do Francisco Ribeiro Rosa que escreveu umas breves linhas sobre cada trabalho apresentado.
ANDREIA GARCIA
Ele estava sentado. Cruzava as pernas com pose delicada. Calças beges, sapatos castanhos. Não usava meias. Tinha uma camisa azul, mangas dobradas até ao cotovelo. O cabelo era cinzento e curto. A barba aparada nessa manhã. Usava óculos. Aro simples. Discretos.
Vivera uma vida na Europa. Estudara na Europa. Tivera professores europeus. Namorara colegas europeias. Trabalhara em firmas europeias. Defendera interesses europeus.
Quando o apresentaram, disseram: É um dos escritores árabes mais conhecidos do mundo.
Mas a que mundo pertenciam as suas palavras?
— Francisco Ribeiro Rosa
BRUNO CARVALHO
Um pilar caiu.
O betão que sustinha não cedeu.
Da sua nova horizontalidade, o pilar se fez assento.
Homens que iam e vinham, se sentavam e erguiam.
Mas a intransigência do betão não é eterna.
O peso da humanidade é volátil.
— Francisco Ribeiro Rosa
FRANCISCO NOGUEIRA
A mulher entra em casa. Acende as luzes. As superfícies são planas. Limpas. Arrumadas. Objectos e espaços compostos por ligas metálicas e plásticos brancos. A mulher não vê nada de errado.
Senta-se.
A janela é ampla, sem cortinas. Fria. A cidade é uma imagem estática. Bonita. Tudo está longe.
A mulher não sabe o que fazer.
O seu refúgio é a escultura. A casa merece ser suja.
— Francisco Ribeiro Rosa
JOÃO MOURO
O espaço é feito de matéria.
— Francisco Ribeiro Rosa
LOURENÇO CASTRO
A mulher fazia sempre um pequeno percurso até à paragem. Percorria apressada junto a um muro amarelo. Ela gostava do muro amarelo. O seu quotidiano era a sua casa.
Quando pintaram o muro para anunciar uma greve, este deixou de ser amarelo.
Nesse dia a mulher parou junto ao muro. Há algo no poder de parar.
— Francisco Ribeiro Rosa
MARTINHO PITA
A árvore cresceu. Passou a dar sombra durante o dia. Quando lhe penduraram uma lâmpada nos ramos, a árvore que de dia dava sombra, passou na noite a dar luz.
A árvore cresceu, a sua copa aumentou, brotaram-lhe as flores e os frutos amadureceram.
O tempo surgiu-lhes no mergulho para a terra. A fruta consumiu-se nos vermes do fim e os anos expandiram a semente. Uma nova sombra cresceu.
Um dia as ligações romperam-se com o tempo. A lâmpada mergulhou para a terra. Nesse gesto derradeiro procurou-se imitar o esforço orgânico. Do seu estilhaço, uma nova sombra cresceu.
— Francisco Ribeiro Rosa
NUNO PEREIRA
O homem ocupou um espaço. Descobriu o tempo. O homem passou a habitar o espaço.
O tempo passou, ocupou e cessou o espaço do homem.
O tempo habitou um espaço. Descobriu-se a ruína. O tempo passou.
— Francisco Ribeiro Rosa
ÉRICA ZINGANO & SARA ORSI
O papel falava a voz limpa e una.
Quando lhe perguntaram pela apropriação, desdobrou-se pelo espaço, e da sua voz limpa
e una se despossuiu na pluralidade da contradição.
E quanto mais se despossuía, mais espaço tomava.
A dúvida é ampla. A verdade requer o seu espaço.
— Francisco Ribeiro Rosa